O conselho fiscal é um órgão previsto no Código Civil (art. 1.356) e, embora não seja obrigatório nos condomínios edilícios, tornou-se peça estratégica de governança e controle. Quando funciona bem, protege o patrimônio coletivo e reduz conflitos internos. Quando funciona mal — ou não funciona — abre caminho para irregularidades, exposição jurídica e responsabilização pessoal dos próprios conselheiros.
Este artigo apresenta, de forma direta e tecnicamente fundamentada, o papel legal do conselho fiscal, os riscos de responsabilização civil e criminal, casos reais de condenação e por que a função exige capacitação e suporte especializado.
1. Base Legal e Atribuições do Conselho Fiscal
1.1 O que diz a lei
O art. 1.356 do Código Civil estabelece:
“Poderá haver no condomínio um conselho fiscal, composto de três membros, eleitos pela assembleia, por prazo não superior a dois anos, ao qual compete dar parecer sobre as contas do síndico.”
Daqui derivam três pontos essenciais:
- Facultatividade: o conselho pode existir ou não, conforme convenção ou assembleia.
- Composição: três membros eleitos.
- Competência direta: emitir parecer sobre as contas do síndico.
A Lei nº 4.591/64 (art. 23) menciona ainda um conselho consultivo, o que costuma gerar confusão terminológica. Mas, na prática, o conselho fiscal é o órgão responsável por examinar contas, documentos e relatórios.
1.2 O que o conselho realmente faz
Na rotina condominial, o conselho fiscal atua como uma barreira de controle. Suas funções incluem:
- analisar balancetes, extratos, notas fiscais e comprovantes;
- verificar compatibilidade de despesas com a previsão orçamentária;
- avaliar regularidade e economicidade de contratos;
- emitir parecer recomendando aprovação ou rejeição das contas;
- solicitar esclarecimentos e documentos ao síndico;
- sugerir auditoria externa quando necessário;
- alertar a assembleia sobre inconsistências ou riscos.
Importante: o conselho fiscal recomenda, mas não decide. A palavra final sobre aprovação das contas é da assembleia.
2. Responsabilidade Civil: Quando o Conselheiro Responde Pessoalmente
2.1 Base jurídica da responsabilidade
Os arts. 186 e 927 do Código Civil determinam que quem causa dano — por ação ou omissão — deve repará-lo. Assim, o conselheiro pode ser responsabilizado se agir com:
- negligência (não verificar),
- imprudência,
- omissão,
ou conivência com irregularidades.
Trata-se de responsabilidade subjetiva, exigindo prova de culpa, dano e nexo causal.
2.2 Situações típicas de responsabilização
Casos comuns identificados em tribunais e na doutrina:
| Situação | Descrição |
|---|---|
| Aprovar contas irregulares | Parecer favorável sem verificação adequada |
| Omissão | Ignorar sinais evidentes de irregularidades ou deixar de examinar documentos essenciais |
| Conivência | “Fechar os olhos” para atos do síndico ou participar indireta/ativamente |
| Assinatura de parecer fictício | Emitir parecer sem análise documental |
| Descumprir determinações da assembleia | Ignorar ordem de auditoria ou fiscalização específica |
Quando há participação ou tolerância ativa, o conselheiro pode ser condenado solidariamente com o síndico.
2.3 Consequências jurídicas
Os efeitos podem incluir:
- obrigação de devolver valores ao condomínio;
- responsabilidade solidária com o síndico;
- destituição;
- impedimento de exercício de função representativa;
- responsabilização criminal, em casos de fraude, apropriação indébita ou falsidade.
3. Casos Reais: Condenações que Chegaram aos Tribunais e à Mídia
A seguir, decisões e reportagens que demonstram como o poder público tem reagido diante de má gestão e omissão fiscalizatória.
3.1 Síndico e conselheiros condenados solidariamente – R$ 348 mil (DF)
Decisão divulgada em redes sociais e vídeos mostra condenação conjunta de síndico e conselheiros por irregularidades, com determinação de ressarcimento de R$ 348 mil.
Referências:
https://www.youtube.com/shorts/DqZ5N22EveE
https://www.instagram.com/reel/DPm_m8MDMTN/
3.2 Ex-síndico e administradora condenados – R$ 732 mil (TJSP)
O TJSP condenou ex-síndico e administradora a pagar R$ 732.537,88 após descoberta de malversação e inconsistências contábeis. Embora os conselheiros não tenham sido partes no processo, o caso evidencia que a fiscalização deficiente pode ser questionada, dependendo do contexto.
Referência:
https://www.rogeriosantos.adv.br/ex-sindico-e-administrador-de-condominio-sao-condenados-solidariamente-ao-pagamento-de-r-732-53
(14/09/2021)
3.3 Ex-síndica condenada por gastos sem autorização – R$ 113 mil (TJDFT)
A ex-síndica teve que ressarcir integralmente despesas realizadas sem aprovação e sem previsão orçamentária. A decisão reforça que obras “úteis” não dispensam autorização.
Processo: 0726113-72.2023.8.07.0001
Referência:
https://www.nobregacosta.com.br/post/tjdft-condena-ex-s%C3%ADndica-a-ressarcir-r-113-mil-ao-condom%C3%ADnio-por-realizar-despesa
(10/11/2025)
3.4 Repasse irregular de R$ 80 mil – Síndico condenado (TJDFT)
O tribunal manteve condenação de ex-síndico após comprovação de transferências irregulares.
Processo: 0722258-38.2021.8.07.0007
Referências:
https://portaljuristec.com.br/2025/02/06/ex-sindico-e-condenado-a-ressarcir-condominio-por-repasse-irregular-de-r-80-mil/
https://www.incc.com.br/2025/02/ex-sindico-e-condenado-ressarcir.html
3.5 Desvio superior a R$ 603 mil – Caso 2025
Síndico foi condenado após desvios contábeis significativos e recusa de fornecer documentos.
Referências:
https://www.universocondominio.com.br/ex-sindico-e-condenado-a-ressarcir-mais-de-r-600-mil-apos-desvio-de-recursos-e-ameacas-a-moradores
https://www.instagram.com/reel/DQt9ZVWEatZ/
(05/11/2025)
3.6 Bloqueio de imóvel por desvio de R$ 124 mil (TJDFT)
Mais de 100 transferências via PIX para a conta pessoal e compra de iPhone com dinheiro do condomínio. A Justiça determinou o bloqueio do imóvel do ex-síndico.
Referências:
https://www.metropoles.com/distrito-federal/aguas-claras-tj-toma-decisao-sobre-sindico-que-sumiu-com-r-124-mil
https://www.sindiconet.com.br/informese/sindico-desvia-dinheiro-condominio-aguas-claras-noticias-juridico
https://www.ocondominio.com.br/noticias/4715/justica-bloqueia-imovel-de-exsindico-que-desviou-mais-de-r-124-mil-de-condominio
3.7 Jurisprudência sobre responsabilização direta de conselheiros (Migalhas)
Dois julgados citados em artigo doutrinário reforçam que conselheiros podem, sim, ser responsabilizados.
TJSP — Apelação nº 1007988-91.2018.8.26.0100
TJPR — Apelação Cível nº 0001867-92.2015.8.16.0189
Referência:
https://www.migalhas.com.br/depeso/443597/responsabilidade-civil-dos-conselheiros-de-condominio
(16/11/2025)
4. Síndico x Conselho Fiscal: Funções Diferentes e Complementares
| Aspecto | Síndico | Conselho Fiscal |
|---|---|---|
| Função | Administração e execução | Fiscalização e parecer |
| Decisões | Contrata, paga, autoriza e executa | Recomenda, não decide |
| Responsabilidade | Direta pela gestão | Pela fiscalização |
| Poder | Execução | Controle |
O conselho fiscal não substitui o síndico, mas também não é figura decorativa. Quando assume o cargo, o conselheiro assume também o dever jurídico de fiscalizar.
5. Por Que o Conselheiro Precisa de Capacitação e Suporte Técnico
5.1 A fiscalização exige conhecimento
Para desempenhar a função com segurança, o conselheiro deve compreender:
- legislação condominial;
- noções de contabilidade;
- leitura de balancetes;
- interpretação de contratos;
- identificação de red flags financeiras.
Sem isso, a chance de erro aumenta — e a de responsabilização também.
5.2 Boas práticas essenciais
- registrar todas as verificações e pedidos de documentos;
- seguir calendário de análise;
- manter comunicação formal com o síndico;
- recomendar auditoria externa quando necessário;
- prestar informações claras à assembleia.
5.3 Suporte técnico não transfere responsabilidade, mas reduz risco
Entre os apoios mais utilizados:
- Condômino Blindado;
consultoria jurídica; - assessoria contábil;
- metodologias estruturadas de análise.
6. Conclusão
O conselho fiscal é ferramenta vital de governança. Sua atuação protege o caixa, a transparência e a reputação do condomínio — e também protege o próprio conselheiro, que responde juridicamente se falhar em sua função.
A jurisprudência é clara: conselheiros omissos podem ser responsabilizados solidariamente com o síndico. Por isso, a função exige método, capacitação e, muitas vezes, suporte especializado.
Não é um cargo honorífico.
Não é apenas um “aval” das contas.
É um papel com impacto financeiro, jurídico e patrimonial direto.