Juiz anula assembleias de aprovação de contas em Aracaju e determina responsabilização solidária de ex-gestores

Uma decisão recente da 8ª Vara Cível de Aracaju trouxe à tona um tema sensível para a governança condominial: a possibilidade de anulação de assembleias de aprovação de contas quando há indícios de vícios formais, manipulação de quórum e apresentação de informações inverídicas aos condôminos.

O caso, julgado envolve exercícios financeiros de três anos distintos e resultou na anulação integral das assembleias, na imposição de dever de prestação de contas e na responsabilidade solidária de ex-gestores pelos valores que vierem a ser apurados.

A decisão, extensa e tecnicamente fundamentada, serve como alerta para condomínios, síndicos e conselhos fiscais sobre os limites da soberania assemblear e os riscos práticos de aprovar contas sem a devida verificação documental.


Soberania assemblear tem limites — e o Judiciário pode intervir

Um dos pontos centrais da sentença é a afirmação de que, embora as assembleias condominiais detenham poder decisório, sua soberania não é absoluta. O magistrado reafirma a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça:
quando há ilegalidades, vícios na formação da vontade coletiva ou fraude, a intervenção judicial é legítima.

No caso examinado, o juiz identificou vícios formais e materiais considerados insanáveis, especialmente na assembleia referente ao exercício de 2022. A ata declarava 58 votos, mas a lista de presença trazia apenas 19 assinaturas — um descompasso que o magistrado classificou como indício grave de manipulação de resultado.


Erro substancial: condôminos votaram com base em informações falsas

Outro ponto decisivo para a anulação foi o entendimento de que os condôminos foram induzidos em erro ao aprovar despesas relacionadas a obras de adequação junto ao Corpo de Bombeiros, financiadas por taxa extra superior a R$ 155 mil.

A sentença afirma que essas obras não foram realizadas, embora a aprovação das contas tivesse se baseado na premissa de que haviam sido executadas.

Esse tipo de erro — que compromete a própria formação da vontade assemblear — autoriza, segundo o juiz, a desconstituição completa da deliberação, com base nos arts. 138 e 139 do Código Civil.


Prestação de contas: dever reconhecido e sanção aplicada

A decisão destaca que os ex-gestores foram formalmente intimados a apresentar a prestação de contas “em forma mercantil”, contendo:

  • evolução de receitas,
  • justificativas de despesas,
  • documentação comprobatória,
  • transferência de valores e registros contábeis.

Segundo a sentença, nenhum dos dois apresentou as contas de forma organizada.

Diante disso, o magistrado aplicou a sanção prevista no art. 550, §5º, do CPC:
os réus perdem o direito de impugnar as contas que forem apresentadas pelo condomínio na fase seguinte do processo.

Em termos práticos, isso significa que o condomínio poderá apresentar sua própria reconstrução contábil, e os ex-gestores só poderão questionar eventuais cálculos, não o conteúdo.

É uma das medidas mais duras previstas no processo civil brasileiro para situações de omissão na obrigação de prestar contas.


Responsabilidade solidária e alcance do dano

A decisão também reconhece a responsabilidade solidária entre síndico e subsíndico, com base em duas premissas centrais:

  1. O subsíndico, embora auxiliar, exerce função de cooperação, não meramente decorativa.
  2. A omissão diante de irregularidades sistêmicas — especialmente durante o período em que ambos integravam a gestão — atrai responsabilidade por culpa in vigilando e in omittendo.

O valor exato do prejuízo será apurado em liquidação, mas englobará:

  • taxa extra não aplicada,
  • transferências bancárias não justificadas,
  • eventuais desvios identificados,
  • correção monetária e juros legais.

A condenação inclui ainda a obrigação de entregar todos os documentos contábeis e administrativos que ainda estejam em posse dos ex-gestores.


Consequências práticas para outros condomínios

A sentença traz repercussões relevantes para a vida condominial e deve ser vista como um marco de alerta:

1. Assembleias podem ser anuladas judicialmente

Quando há discrepância entre lista de presença e votos computados, omissões materiais ou indução dos condôminos a erro.

2. Aprovação de contas não “blinda” gestor

A decisão deixa claro que a quitação assemblear perde validade quando baseada em informações falsas ou incompletas.

3. Conselho fiscal precisa atuar com rigor

Embora o caso não trate diretamente de responsabilização do órgão fiscalizador, o magistrado reforça implicitamente que assembleias que aprovam contas sem documentação confiável são frágeis e vulneráveis à anulação.

4. Prestação de contas é obrigação personalíssima

Documentos espalhados em arquivos, WhatsApp ou pastas informais não substituem a obrigação de apresentar contas mercantis organizadas.

5. Omissão gera responsabilidade

Quem aceita função — síndico, subsíndico ou conselheiro — assume também risco jurídico.


Um precedente que reforça a importância da governança condominial

A decisão da 8ª Vara Cível de Aracaju consolida um movimento crescente no Judiciário brasileiro:
condomínios não são espaços de gestão informal.

A administração condominial envolve patrimônio coletivo, quóruns qualificados e deveres legais rigorosos. Quando a transparência é comprometida, o Judiciário tem se mostrado disposto a intervir — anulando assembleias, retirando quitação e impondo responsabilização financeira significativa.

Para síndicos, subsíndicos e conselheiros, o recado é claro:
governança, documentação e prestação de contas não são opcionais — são exigências legais.

O caso reforça a necessidade de métodos formais de controle, auditorias independentes, documentação padronizada e acompanhamento sistemático das finanças, práticas que evitam prejuízos e protegem a própria gestão.


Fonte consultada:

Sentença judicial no processo nº 0061723-44.2023.8.25.0001, 8ª Vara Cível de Aracaju.